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quinta-feira, 14 de maio de 2015

OS MUSEUS BRASILEIROS NO SÉCULO XIX

O surgimento das primeiras instituições museológicas no Brasil também data do século XIX.  Em Apontamentos sobre a História do Museu, Julião (2006) descreve o percurso dos primeiros museus brasileiros. Em 1818, D. João VI criou o Museu Real, atual Museu Nacional, cujo acervo inicial se compunha de uma pequena coleção de história natural doada pelo monarca. Na segunda metade do século XIX, foram criados os museus do Exército (1864), da Marinha (1868), o Paranaense (1876), do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia (1894), destacando-se, nesse cenário, dois museus etnográficos: o Paraense Emílio Goeldi, constituído em 1866, por iniciativa de uma instituição privada, transferido para o Estado em 1871 e reinaugurado em 1891, e o Paulista, conhecido como Museu do Ipiranga, surgido em 1894.
Entrada Museu Paraense Emílio Goeldi, 1902.
Fonte: http://portalmatsunaga.xpg.uol.com.br/
Ao lado do Museu Nacional, os Museus Paraense Emílio Goeldi e Paulista alinhavam-se ao modelo de museu etnográfico, que se difundiu em todo o mundo entre os anos 1870 e 1930. Caracterizados pelas pretensões enciclopédicas, eram museus dedicados à pesquisa em ciências naturais, voltados para a coleta, o estudo e a exibição de coleções naturais, de etnografia, paleontologia e arqueologia. (JULIÃO, 2006). Os três museus exerceram importante papel de preservar as riquezas locais e nacionais, agregando a produção intelectual e a prática das chamadas ciências naturais, no Brasil, em fins do século XIX. Tinham como paradigma a teoria da evolução da biologia, a partir da qual desenvolviam estudos de interpretação evolucionista social, base para a nascente antropologia. Ao buscarem discutir o homem brasileiro, através de critérios naturalistas, essas instituições contribuíram, decisivamente, para a divulgação de teorias raciais no século XIX. E também para construções simbólicas da nação brasileira, através de coleções que celebravam a riqueza e exuberância da fauna e da flora dos trópicos.

As várias “interpretações do Brasil” não dizem respeito a uma “arqueologia” das ideias pelos museus: elas permanecem vivas, embora nem sempre com a mesma configuração. O Brasil é mostrado como um país essencialmente agrícola, um país cheio de riquezas naturais e de cordialidade, mas tropical e mestiço, portanto, inferior. Um país que Oliveira Vianna (1922, p.35) vê embranquecer-se.  É o Brasil macunaímico de Mário de Andrade e da pré-revolução burguesa representada pela Semana de Arte Moderna[i]. É o Brasil moderno porque cafeeiro e paulista, autoritário e corrupto, mas recuperável através de uma democracia dita das elites, ufanista. É o país maravilhoso da casa grande e da senzala, do sobrado e do mocambo de Gilberto Freire. É um Brasil essencialmente agrícola, não visto como um país subdesenvolvido, mas como um país rico e cheio de futuro, com uma vocação agrícola definitiva. 
No livro O espetáculo das raças, Lilia Moritz Schwarcz também referencia o século XIX, como o século em que inúmeros naturalistas estrangeiros passaram por aqui, em busca de espécimes para suas coleções, dentro daquela ideia de que essas culturas se extinguiriam, estando os vestígios mais bem preservados nos museus metropolitanos. (SCHWARCZ, 1993). É importante destacar, que já nesta época, o Brasil era considerado local privilegiado para obtenção de coleções e matéria-prima necessária aos museus europeus.
O Museu Nacional, o Paulista e o Museu Paraense Emílio Goeldi, interpretavam o nosso país com coleções e acervos compostos por elementos da natureza inicialmente e que sistematicamente vão mudando sua constituição, passando a serem compostos por objetos que representassem a história da nação. Esta mudança, entretanto, privilegiou o legado da elite brasileira, assim como seus feitos históricos, mantendo à parte a participação popular. A homenagem em suas coleções à tradição e ao Império serviu também de base ao discurso nacionalista conservador e elitista, e consequentemente, a coleta de acervo privilegiava os segmentos da elite, e as exposições adotavam o tratamento factual da história, o culto à personalidade, veiculando conteúdos dogmáticos, em detrimento de uma reflexão crítica, ficando a grande maioria da população do lado de fora do museu.
A situação dos museus no Brasil, na atualidade vem se modificando. Com a Política Nacional de Museus, lançada no ano de 2003, afirmou-se, por exemplo, uma base a maior valorização do patrimônio cultural e um estímulo ao desenvolvimento, à criatividade, à produção de saberes e fazeres e ao avanço técnico-científico do campo museológico. Mesmo assim, muitos setores ainda são indiferentes para com os museus e isso vem desde a origem. A bem da verdade, quando da instalação da Corte portuguesa, onde a vida cultural em Terras Brasilis, ganha um novo alento com a criação de novas instituições culturais, essas inaugurações aconteceram sob clara influência européia, pois repetiam aqui o modus vivendi do Velho Continente. Os nobres portugueses, que aportavam no Brasil em fuga das guerras européias, tentavam imprimir aqui seus hábitos e costumes, agora também culturais. Essas foram as bases do desenvolvimento cultural e científico do Brasil.
   
Referências
JULIÃO, Letícia. Apontamentos sobre a história do museu. Caderno de Diretrizes Museológicas, Brasília: MinC, 2006.
VIANNA, Oliveira. Evolução do Povo Brasileiro, 4ª edição, Rio de Janeiro, José Olympio, 1956 (a 1ª edição é de 1922).
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo, Companhia das Letras.1993.







[i] A Semana de Arte Moderna ocorreu em uma época cheia de turbulências políticas, sociais, econômicas e culturais. As novas vanguardas estéticas surgiam e o mundo se espantava com as novas linguagens desprovidas de regras. Alvo de críticas e em parte ignorada, a Semana não foi bem entendida em sua época.

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